Avaliando a eficácia terapêutica: um tributo aos ensaios clínicos randomizados (parte 2)

Continuando nossa tarefa de apresentar grandes ensaios clínicos randomizados do século XXI, traremos a seguir discussões muito produtivas não apenas sobre os estudos, mas também sobre rastreamento, cirurgia e pressão arterial.

O estudo NLST (NEJM, 2011) abordou uma questão extremamente importante na área médica: rastreamento de câncer de pulmão como possível intervenção para redução de mortalidade. O rastreamento com radiografia de tórax foi proposto há décadas, mas sem sucesso. O estudo NLST, entretanto, utilizou como comparador o grupo submetido à radiografia de tórax e como intervenção o grupo submetido à tomografia helicoidal de baixa dose. Ao todo, 53454 participantes sob alto risco de desenvolverem câncer de pulmão foram randomizados para um dos dois grupos. Achados sugestivos de câncer de pulmão estiveram presentes em 24,2% dos participantes alocados para  TC de baixa dose, enquanto, na radiografia, esses achados ocorreram em 6,9%. A incidência de câncer de pulmão no grupo submetido à TC de baixa dose foi de 645 casos em 100 mil pessoas-ano (1060 casos no total); no grupo submetido à radiografia, a incidência foi de 545 casos em 100 mil pessoas-ano (941 casos totais) (rate ratio de 1,13, IC 95% 1,03 – 1,23). Houve 247 mortes por câncer de pulmão/100 mil pessoas-ano no grupo intervenção, comparado a 309 mortes por câncer de pulmão/100 mil pessoas-ano no grupo controle, evidenciando uma redução relativa na mortalidade de 20% (IC 95% 6,8 – 26,7%, p = 0,004).

Tendo em vista que a detecção precoce, teoricamente, diminui as mortes por determinada doença – ainda que isso não seja uma verdade absoluta -, é natural que pensemos, baseados no estudo NLST, que a TC de baixa dose deva ser feita para todos os pacientes sob alto risco de desenvolverem câncer de pulmão. Entretanto, há outra variável que devemos considerar: o custo. Não é nada barato custear para uma população de 200 milhões de pessoas (pensando apenas em nosso país) tomografia helicoidal para cada pessoa com alto risco; pensando como gestor público de saúde, o impacto orçamentário dessa intervenção pode ser impraticável. Mais do que isso: a eficiência econômica relativa (custo-efetividade) dessa intervenção para evitar mortes por câncer do pulmão pode não ser satisfatória em comparação a outras intervenções em massa, como medidas de saúde pública para cessação do tabagismo. Contudo, se pensarmos no tratamento individualizado de um paciente idoso, com alta carga tabágica e que tem condições de custear o exame, o cenário se modifica, e a indicação do exame é feita de forma muito menos questionável, já que o paciente tem 13% a mais de probabilidade de encontrar um câncer (se ele existir) e 20% a menos de probabilidade de morrer em decorrência da neoplasia. O ponto central da discussão sobre rastreamento é se há redução de mortalidade a um custo aceitável para que se possa implementar a medida para toda a população.

O estudo ACDC (Annals of Surgery, 2013) comparou o tratamento de colecistectomia videolaparoscópica no máximo até 24 horas após admissão hospitalar versus tratamento inicial com antibiótico seguido de cirurgia por videolaparoscopia entre 7 a 45 dias após admissão hospitalar em pacientes com colecistite aguda. O desfecho primário foi a ocorrência de complicações clinicamente relevantes até 75 dias após o procedimento. A morbidade foi menor no grupo submetido à cirurgia precoce (11,8% vs. 34,4%). Conversão para cirurgia aberta e mortalidade não apresentaram diferença entre os grupos. O tempo de permanência hospitalar foi menor no grupo cirurgia precoce (5,4 dias vs. 10 dias, p < 0,001), bem como o custo hospitalar total (2919 euros vs. 4262 euros, p < 0,001).

Antes da realização do estudo, a videolaparoscopia já era o procedimento de escolha na colecistite aguda. A dúvida era se o procedimento deveria ser realizado de forma precoce ou tardia (após antibioticoterapia). Com a apresentação dos dados encontrados, a videolaparoscopia precoce se tornou a primeira opção, conseguindo tudo que um ensaio clínico randomizado deseja: benefício para o paciente (menor morbidade), não-malefício (igual incidência de eventos adversos) e economia para o sistema de saúde (menor custo hospitalar).

O SPRINT (NEJM, 2015) comparou o tratamento intensivo da pressão arterial sistólica com o tratamento padrão. Pacientes com PA sistólica de 130 mmHg ou mais e aumento de risco cardiovascular que receberam o tratamento intensivo (alvo de PA sistólica abaixo de 120 mmHg) apresentaram menor incidência de insuficiência cardíaca e morte por doenças cardiovasculares (componentes do desfecho primário) e morte por qualquer causa (um dos desfechos secundários) do que os pacientes submetidos ao tratamento padrão (alvo de PA sistólica abaixo de 140 mmHg): insuficiência cardíaca, HR de 0,62 com IC de 95% entre 0,45-0,84 e p = 0,002; morte de origem cardiovascular, HR de 0,57 com IC de 95% entre 0,38-0,85 e p = 0,005; morte por qualquer causa, HR de 0,73 com IC de 95% entre 0,60-0,90 e p = 0,003.

Até a realização do trabalho, o alvo de PA sistólica para pacientes hipertensos era 140 mmHg. Os dados do SPRINT prometem modificar essa recomendação: ao que tudo indica, as próximas diretrizes para o tratamento da hipertensão arterial sistêmica devem colocar o alvo de PA sistólica em 120 mmHg, pois os resultados demonstraram diminuição de mortalidade (tanto por causas cardiovasculares quanto por quaisquer outras causas), o desfecho mais significativo em medicina.

Se você leu este texto, provavelmente é porque ficou interessado após ler a primeira parte (publicada há algumas semanas). Temos uma boa notícia para você: dentro dos próximos dias, publicaremos a última parte da nossa homenagem ao Ensaio Clínico Randomizado. Para ler em primeira mão, acompanhe nossas publicações!

Até breve!

Texto escrito por Guilherme Camargo Winckler e André Ferreira Azeredo

Como citar esse texto: Winckler GC, Azeredo-da-Silva ALF. Avaliando a eficácia terapêutica: um tributo aos ensaios clínicos randomizados (parte 1). Maio de 2017 In: https://ebmacademy.wordpress.com/

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